REFLEXÕES DE UM POLICIAL

“Cogitationis poenam nemo patitur”

Posts Tagged ‘são paulo

Uma nova onda de ações do crime organizado em SP

leave a comment »

O mês de novembro vem sendo especialmente preocupante no Estado de São Paulo, no que diz sentido, a possíveis levantes do crime organizado.

No dia 07/11, um assalto a uma agência do Banco Real, em Guarulhos, resultou em troca de tiros, reféns e morte de um policial e um assaltante. No dia 10/11, aconteceu à explosão da Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes, em Botucatu (238 km de São Paulo), causando a demolição do prédio e a destruição de seis inquéritos policiais. Já no dia 14/11, um caixa eletrônico na Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, zona norte de São Paulo foi explodido por bandidos, nada foi roubado e os suspeitos conseguiram fugir.

Essas ações deixam novamente a população e a mídia nacional preocupada com a onda de violência que pode ser novamente iniciada pelo crime organizado como a ocorrida em maio de 2006, que deixou o país totalmente estarrecido naquela circunstância.

Porém, podem ser apenas ações isoladas de bando com objetivos pontuais, pois nem tudo o que é citado nos veículos de comunicações pode ser considerado como ações do crime organizado. É um equívoco acreditar que qualquer bando ou quadrilha trata-se de crime organizado, pois em todas as modalidades de crime pode haver organização ou não.

O que verdadeiramente caracteriza a organização criminosa é a existência de hierarquia, previsão de lucros, divisão do trabalho, planejamento empresarial e simbiose com o Estado. Esta última é muito discutida e muitas vezes refutada pelos agentes públicos. Mas vale citar Mingardi (2006, in Lima et. Autores):
“Acredita-se, porém, que ela é isoladamente a mais importante dos cincos. Isso porque em todos os casos ou organizações estudados aparece uma ligação entre o crime organizado e a máquina do Estado. Mesmo que essa ligação seja de baixo nível, envolvendo apenas setores menos importante da máquina sempre existe alguém com poder, colaborando para que aquela organização criminosa continue a operar”.
(MINGARDI, in LIMA, 2006, p. 43)

Há outro aspecto na “cultura do crime” que apresenta características diferentes: o tradicional e o empresarial. O tradicional é a estrutura criminosa formada por um grupo que aceitava novos participantes por indicações dos membros, com base no apadrinhamento, ou seja, o indivíduo só entra na organização através da recomendação dos mais antigos e confiáveis; a partir de então, a carreira dos dois fica interligada. Tem característica de especialização e se formam a partir de relacionamentos como na cadeia, a partir de um grupo de presidiários, pela união de quadrilhas, por laços de sangue que unem grupos numa terra, ou pela união de grupos interessados no monopólio de uma mercadoria, serviço ou região geográfica.

Já o modelo empresarial é menos definido e não pode ser comparado à simples quadrilhas. Nesta modalidade estão inseridos métodos empresariais, e não são importantes as questões como a honra, a lealdade e a obrigação. Relacionam-se por razão da atividade ilícita, são quadrilhas especializadas atuando em determinados tipos de crime: roubo de carga, veículos, bancos e lavagem de dinheiro.

Na verdade, a preocupação maior é que durante as ações de maio de 2006, enquanto o crime organizado atuava a partir de ordens emanadas de dentro dos estabelecimentos penais com estratégias, comando e informação, a segurança pública viu-se diante da falta de informação, organização e tudo isso por falta de um sistema de inteligência confiável.

E tratando-se de crime organizado a única defesa da sociedade e resposta do Estado é um sistema de inteligência policial competente e dinâmico, por um lado com estruturas dedicadas a investigar comportamentos que podem ser geradores de estruturas criminosas e, por outro lado, acompanhar movimentos de grupos suspeitos, a partir de características pré-determinadas, visando identificar atitudes de estruturação criminosa.

Esse é um novo desafio para as policias, devem aprender continuadamente com seus erros, e investirem na produção de conhecimentos capazes de sistematizar informações para auxiliar o trabalho da prevenção e repreensão não só no combate ao crime organizado, mas também ao crime comum. Cabe a indagação, aprendeu-se com maio de 2006 ou a sociedade brasileira irá ficar mais uma vez no fogo cruzado e cego do Estado com as organizações criminosas em ações futuras?
Sinceramente espero que tenhamos aprendido.

O desfecho do sequestro do ABC Paulista

leave a comment »

“O maior erro que se pode cometer na vida é o medo constante de cometer erros” ELBERT G. HUBBARD*
O desfecho do Seqüestro do ABC paulista apresentou uma conclusão trágica, porém, previsível. Não posso dizer que “eu já sabia”, até porque seria leviano, pois não estava no local e nem tenho todas as informações necessárias para ter essa conclusão antecipada.
Contundo algumas indicações já era visível, e isso já vem causando uma grande polêmica, principalmente na mídia televisiva. A decisão de retornar com a jovem Nayara para a cena da ação e sua conseqüente retomada como refém pelo seqüestrador é no mínimo infeliz, para não dizer desastrosa. No artigo anterior, referi-me a esse ponto como uma decisão do comando do gerenciamento da crise, porém, após a entrevista coletiva no local da ação pelo Comandante da Operação, deixou-me perplexo a sua declaração que “Nayara não era refém, estava ali porque queria”, ora se as coisas fossem assim, a mãe e os outros parentes também poderia entrar no apartamento e ficar ali porque queriam. Se não existiu nenhum motivo plausível para a recolocação de Nayara naquele local e naquela situação podemos considerar que foi um erro gravíssimo por parte do gerenciamento da crise.
Outra situação que não poderia ter ocorrido e isso ficou consolidado principalmente após a retomada de Nayara como refém foi à continuidade da comunicação externa do seqüestrador, ora se a energia foi cortada e religada após a liberação de Nayara, o seqüestrador deixou de cumprir com a sua parte ao ter-la retomado como refém, o que poderia deixar a polícia livre para cumprir com mais esse requisito técnico para um bom gerenciamento de crise, o total isolamento do cativeiro.
A resolução dada ao caso não foi com certeza a que estava no planejamento específico, pois até o comando da crise foi pego de surpresa, mas era uma das alternativas táticas possíveis: A invasão tática combinada com o uso de armamento não-letal. Pela experiência e conhecimento da ação de grupos de ações táticas, tenho plena convicção que a alternativa apresentada foi fruto de uma reação a atitude violenta do seqüestrador, pois era visível no semblante dos policiais a indignação e tristeza pelo resultado trágico do desfecho. Na crise negociar sempre será o norteador da ação de qualquer policial, principalmente para aqueles que são preparados para essa situação onde a vida está em perigo e somente à preservação de vidas é considerada uma vitória.
Em termos de segurança pública e defesa social fica cada vez mais patente que a boa e velha técnica policial é quase uma ciência exata, pois dificilmente os improvisos e decisões diferenciadas dos ensinamentos adquiridos resultam acertos. Temos mais um caso para ser estudado e retirados ensinamentos fundamentais para que vidas preciosas como da jovem Heloá não seja sacrificadas em vão – digo sacrificada, pois independente do resultado da sua cirurgia e caso venha a sobreviver, a sua vida jamais será a mesma – pois, o criminoso cumpriu com maestria sua meta inicial. Ninguém vai falar com a ex-namorada com duas armas de fogo e farta munição para apenas pedir seu perdão e tentar uma reconciliação, ninguém vai pedir para reatar uma relação e passa a agredir fisicamente (Nayara ao sair do cativeiro relatou a polícia às inúmeras agressões sofridas por Heloá).
Concluo dizendo que Lindember foi para tomar a vida de Heloá não por amor, mas por egoísmo e que todos os esforços policiais para a preservação da vida foram válidos, pois a ação era de alto risco de perda de vida humana. A polícia paulista no dia do desfecho já tinha quase as mesmas conclusões apresentadas e tentou de todas as formas evitar essa tragédia, porém apenas uma pessoa poderia evitar-la e esse alguém mostrou que apenas a intolerância, o egoísmo e desprezo pela vida humana guiava-o nos seus objetivos. A polícia paulista não deu causa para o desfecho trágico do caso, pois sua missão era de preservar a vida e aplicar a lei, e isso podemos observar que tentaram a todo custo, porém algumas falhas ocorreram principalmente as duas já citadas e que poderia aumentar o passivo de vidas humanas, mas no final aqueles policiais refletirão e chegarão a conclusão de que tudo o que foi possível foi feito e que novos aprendizados foram inclusos na sua vida, e quiçá no futuro outras vidas serão salvas por causa disso. Aos familiares deixo meus sinceros sentimentos, pois todos perderam em graus diferentes, porém perdas significativas para todos, inclusive para toda a nossa sociedade, pois a violência, a intolerância e o egoísmo prevaleceram neste dia no Estado mais importante de nossa federação.
Que Deus abençoe e proteja a todos!
* Elbert Green Hubbard (19 de junho de 1856, em Bloomington, Illinois, EUA – 7 de maio de 1915) foi um filósofo e escritor estadunidense.