REFLEXÕES DE UM POLICIAL

“Cogitationis poenam nemo patitur”

Archive for maio 2009

A formação e valorização policial

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    A redemocratização do país obrigou as polícias a reformularem suas posturas, forma de atuação, visão de mundo, e conseqüentemente, uma profunda revisão nas questões atinentes a formação do policial. As escolas de formação tiveram que reavaliar suas práticas, currículos e métodos de ensino, em razão do novo enfoque e dos perfis exigidos para as novas funções de polícia.

    Novas habilidades e competências passaram a fazer parte do cotidiano policial e, por isso, a organização curricular passou, inicialmente, por um debate nacional sobre quais conteúdos e práticas deveriam compor um novo currículo para a formação, que contemplasse, principalmente, a nova visão de polícia comunitária e o policial como protetor do cidadão, como protagonista de Direitos Humanos, inserido na comunidade onde trabalha.    No período de 1996 a 1999 o Ministério da Justiça, através da Secretaria Nacional de Segurança Pública, reuniu em Brasília-DF, especialistas de ensino policial de todas as polícias do Brasil, englobando a polícia civil e militar, para a elaboração do documento Bases Curricular para a Formação dos Profissionais da área de Segurança do Cidadão.

    Tratava-se de uma elaboração conjunta, fruto de uma ampla discussão entre especialistas, sobre conteúdos comuns às polícias militar e civil que passaram a ser adotados em todas as escolas de formação, acrescentados das peculiaridades regionais e especificidades de cada instituição. Representou um marco na educação de policiais em meio ao clima de revisão curricular que a educação nacional acompanhou, face à promulgação da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, Lei nº. 9394/96, em dezembro de 1996. Conteúdos como Direitos Humanos, Ética Profissional, Cidadania, e Direitos da Criança e do Adolescente passaram a ser incorporados aos novos currículos; mas, sobretudo, importante destaque se deu às reflexões sobre as práticas policiais e o Estado Democrático de Direito.

 

    A adoção da filosofia de polícia comunitária implica, necessariamente, em incorporação de conceitos e práticas que levem a uma autonomia pretendida, do policial, que passa a ser um tomador de decisões, em muitas situações, sem ter que, necessariamente, consultar seus superiores. Representa, portanto, uma “quebra de paradigmas”, às vezes, “um parto de idéias” e um rompimento com conceitos e valores arraigados, com uma cultura sedimentada, o que não se constitui tarefa de fácil decisão por parte da organização e, muito menos, por parte do próprio policial enquanto indivíduo, caracterizando-se assim, como um “dilema moral”.

 

    Para a Organização Policial, o dilema se dá no sentido político de adoção de um novo paradigma, a partir de uma leitura dos Planos de Governo e dos reclamos da sociedade por uma polícia mais humanizada, que trate melhor as pessoas, o que, na prática, implica em uma polícia que adote uma filosofia de proteção do cidadão. Para um tipo de organismo que esteve historicamente acostumado a visualizar sua principal missão ligada aos conceitos de Lei e Ordem e a uma visão de proteção do Estado, passar à perspectiva de proteção do cidadão que em muitas ocasiões anteriores, como no regime militar pós 1964, fora visto como “inimigo do Estado”, representa uma ruptura com conceitos muito fortes.

 

    Para o indivíduo policial, esse rompimento também é complicado e não é tarefa fácil, até mesmo porque ele não se dá abruptamente com todos os policiais e, mesmo que, individualmente aconteçam, os ambientes onde irá atuar (nos quartéis, delegacias e na sociedade), não necessariamente, acompanham o mesmo ritmo. É também uma decisão pessoal que implica em acreditar em novos valores, adotá-los e praticá-los, e isso não é fácil.     Pelo imediatismo dos efeitos, os policiais são levados a visualizar mais os governos como seus “patrões” que pagam seus salários, do que mesmo enxergarem o conjunto de cidadãos organizados em sociedade, pagando seus impostos e exercendo sua cidadania, escolhendo seus governantes e destes exigindo proteção. As decisões pessoais diante de um dilema moral, mesmo que impliquem em uma passagem de um nível de julgamento moral para outro mais elevado, como descrito por Kohlberg (1997), não necessariamente implicam em mudança comportamental. O ambiente onde o sujeito está inserido pode ser fator definitivo para que o novo paradigma floresça ou não, como ocorreu nas escolas secundárias experimentais de comunidade justa (Cluster School) descritas por Kohlberg (1997).

 

    Mas ao mesmo tempo, é preocupante, que policiais detentores de poder de polícia, atuando na prevenção e repressão ao crime, possam fazer julgamento moral de situações conflituosas, sendo, estes mesmos, portadores de um nível de desenvolvimento moral que não vai alem da obediência às regras, puramente por serem regras escritas, normatizadas, às vezes, sem levarem em consideração valores morais que impliquem na priorização da vida e na dignidade das pessoas.

 

    As escolas de formação de policiais se depararam com um enorme desafio para a adoção de novos paradigmas, como por exemplo: a revisão de currículos; a capacitação de docentes; os encontros pedagógicos; as parcerias com ONG’s – Organizações Não Governamentais; ou a introdução de professores civis em substituição a militares, que em alguns casos, despertam resistências e críticas, ou até mesmo o repúdio às mudanças.

    Dentre as necessidades da nova etapa, destaca-se a busca por novas metodologias que assegurem o cumprimento dos objetivos a serem atingidos nas diversas disciplinas e nos cursos de formação policial. Há necessidade de metodologias que sejam mais críticas, que possibilitem melhor assimilação dos novos paradigmas, que contemplem o aluno como sujeito de sua própria aprendizagem, e que sejam mais adequadas à reflexão sobre os novos valores e à incorporação dos mesmos.

 

    O produto das escolas de formação, o novo profissional de polícia, também não fica imune às rejeições nos seus novos locais de trabalho, até mesmo porque não se muda uma cultura da noite para o dia, nem muito menos por planos ou decretos. A resistência ao novo se dá, também, pela representação do medo, como um perigo de insucesso, ou de desconforto provocado pelas novas rotinas.

 

    O que se pretende na formação do policial, no contexto, é uma mudança de atitude que seja visível à sociedade. Uma mudança progressiva, diferente da que vem sendo adotada pela instituição policial, isto é, da filosofia de proteção do Estado para a filosofia de proteção do cidadão. Isso não vai ocorrer se realmente seus integrantes não mudarem sua forma de sentir (valores) e de agir (procedimental, atitudinal).

 

    Por outro lado temos a questão da valorização dos profissionais de segurança do cidadão, pois a tão esperada mudança na cultura da instituição policial, passa pela valorização das pessoas que estão na instituição e um melhor recrutamento para os seus quadros.

 

    Revendo o processo histórico do recrutamento das forças públicas, fica fácil entender o porque da desvalorização profissional dos policiais, pois a história do recrutamento entre 1864 e 1945 é descrita pelo professor norte-americano Peter Beattie, da Universidade do Estado de Michigan (EUA) e também visitante da Universidade Federal de Pernambuco pelo Programa Fulbright. Ele revela que as pessoas eram recrutadas à força para serem soldados e o serviço de alistamento tornou-se associado à criminalidade, perversão e desonra.

 

    Peter Beattie (2001) percorreu arquivos do Rio de Janeiro, Pernambuco, São Paulo e Rio Grande do Sul em busca de documentos. As correspondências antigas mostram que mais de 50% da tropa em atividade no século 19 era formada por nordestinos que migravam por causa da seca e de outras limitações impostas pelo ambiente da região. Afirma o pesquisador:

 

    Nessa época, a polícia pegava os homens nas ruas mesmo. Suspeitos de terem cometido crime, presos em flagrante, gente que roubava cavalo e galinha, maridos que abandonavam a mulher ou homens que desvirginavam menores de 16 a 21 anos prometendo casar e desistiam do compromisso tornavam-se alvos de recrutamento.

    Enfim, a tropa era composta por um batalhão de homens acusados de ofender a lei ou a moralidade pública. Também havia voluntários, pessoas pobres que precisavam de teto e refeição, mas em menor proporção. “O recrutamento funcionava como uma punição”, e as cadeias, superlotadas, ficavam reservadas aos criminosos de maior periculosidade, “Os assassinos não podiam ser recrutados”.

    Somente com a atual Constituição Federal, a maioria dos integrantes das polícias estaduais, soldados e cabos da Polícia Militar, receberam o direito de voto, o que iniciou um processo de percepção da sua própria cidadania:

 

[…] § 2º – Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos. […] § 8º – O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições: I – se contar menos de dez anos de serviço deverá afastar-se da atividade; II – se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade. (BRASIL, 1988,p.18)

    Verificou-se, assim, ponderável avanço no status político dos policiais nos anos subseqüentes à atual Constituição da República. Por isso, não é demais afirmar que os militares que têm uma cidadania diferenciada, um tipo de cidadão que veio a ter direito de votar somente a partir da constituição de 1988 e que, ainda assim, a constituição cidadã lhe reserva o “direito” de ser o único tipo de cidadão a poder ser preso administrativamente por faltas disciplinares.

 

    Muito vem sendo feito no sentido de valorizar a profissão policial, a criação da SENASP e suas iniciativas, tais como a criação da Matriz Curricular Nacional para o ensino policial, a criação da Rede de Ensino a Distância: Educação continuada, integrada e qualificada aos operadores de segurança pública de forma gratuita em todo o país, a Rede Nacional de Especialização em Segurança Pública – RENAESP: Credenciamento, financiamento e acompanhamento de instituições de ensino superior para a realização de curso de especialização de gestão em segurança pública, a Jornada Nacional de Educação em DH: Construir uma nova polícia, consciente de seu papel de promotora de DH e promover a formação de uma cultura nacional de direitos e deveres humanos, Parceria com o Comitê da Cruz Vermelha Internacional para capacitar os operadores em Direito Humanos, Integração das Academias, Projeto Interagir: apoio pedagógico para a formação profissional, através do apoio bibliográfico voltado para a área de segurança pública e a criação do Portal Segurança Cidadã: Visando socializar o conhecimento, educação e valorização dos operadores.

 

    Temos ainda o Projeto Nacional de Segurança com Cidadania – PRONASCI, tendo os Programas de Habitação para Policiais de Baixa Renda e Bolsa Formação, visando melhorar as condições sociais dos operadores de segurança pública, Alem de incentivar a cultura do auto-aperfeiçoamento profissional. A Polícia Militar de Minas Gerais reformulou toda a formação dos Soldados no sentido de adequar a sua grade curricular com as exigências do MEC, a fim de atribuir aos seus discentes o grau de técnico de segurança pública.

 

    Somente através da mudança cultural dentro das instituições policiais poderemos ter uma reforma capaz de satisfazer as demandas da sociedade no que tange as políticas públicas de segurança, e essa tal sonhada mudança somente ocorrerá através da melhor formação e da valorização dos operadores de segurança pública.

Written by Claudio Marino F Dias

05/19/2009 at 20:44

Publicado em segurança pública

Retornei…

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Após 10 meses de inatividade, retornei no dia 28 de abril, as fileiras da gloriosa polícia de Fontoura e Tiradentes (irei postar em breve sobre a história do Cel. Fontoura – Patrono da Polícia Militar do Pará). Lotado atualmente no 4º BPM – BTL Tocantins, sediado na Cidade de Marabá, Sudeste do Pará.

Retorno após ter concluído mais uma etapa de aprendizagem na minha vida pessoal e profissional, acredito que sou um afortunado, pois nesse período de licença (férias, trânsito e instalação e licença sem vencimento) pude concluir um curso de especialização em segurança pública e outro projeto de cunho pessoal que muito, acredito, vai contribuir no meu desenvolvimento pessoal e profissional.

Ainda, estou no período de adaptação, porém acredito que poderei realizar um bom trabalho. Tenho convicção que toda a nossa corporação precisa aperfeiçoar sua forma de planejamento e execução do policiamento, buscando a aproximação com a comunidade com a criação de um forte canal de diálogo com a sociedade, poderes públicos e a imprensa local.

Continuarei com nossas postagens contribuindo para o desenvolvimento dessa instituição que possui um importante papel na sociedade e que infelizmente por elementos históricos afastou-se do convívio da comunidade. Creio que esse momento de crise em que vivemos na área de segurança pública (e em todas as outras) servirá para que ocorra uma mudança nas estratégias de policiamento predominante e a polícia possa finalmente encontrar o seu lugar de merecimento no seio da comunidade.

Abraço.

Written by Claudio Marino F Dias

05/04/2009 at 14:34

Publicado em segurança pública